O processo de desenvolvimento é comumente
visto como uma sucessão de etapas, na maior parte das vezes delimitadas por
idades cronológicas determinadas. Mas como é possível fixar uma cronologia se a
cultura, a época e a história de vida de cada um interferem nas experiências e
influenciam o desenvolvimento? Como é possível ainda empregar a mesma
cronologia para indivíduos com transtornos que interferem no desenvolvimento,
como o autismo?
O livro “Um Mundo à Parte” de Jodi Picoult
apresenta a história de Jacob Hunt, um adolescente de 18 anos diagnosticado com
síndrome de Asperger que apresenta dificuldades para interpretar pistas sociais,
se expressar diante dos outros e tem fixação por um único tema: análise
forense. Quando a orientadora dele, Jess, é assassinada, Jacob se torna o
principal suspeito e não há dúvidas de seu envolvimento pelo menos no
encobrimento do crime. Apesar de se
tratar de uma ficção e de nem todas as informações presentes na obra sejam
precisas, o livro põe em discussão o fato de que mesmo tendo idade suficiente
para responder pelos seus atos, Jacob não apresenta algumas características,
como o entendimento abstrato das leis e da moral implícita, que normalmente
estão presentes na etapa de desenvolvimento em que ele se encontra.
Fonte: http://o-livreiro.com/confira-a-capa-de-um-mundo-a-parte-novo-livro-de-jodi-picoult/ |
O problema de considerar o desenvolvimento
como uma sucessão de etapas universais reside na ideia de que essa perspectiva
não leva em consideração as particularidades de cada indivíduo. “Sem levar em
conta aspectos da história cultural e individual dos sujeitos, essa perspectiva
não contempla a multiplicidade de possibilidades de desenvolvimento humano, nem
tampouco a própria essência do desenvolvimento, que é a transformação”
(OLIVEIRA & TEIXEIRA, 2002, p.26).
No caso apresentado no livro, o problema está no fato de
que, legalmente, Jacob já pode ser considerado adulto, no entanto, ele não se
comporta ou se vê como tal. “A idade, embora seja uma variável útil e
necessária para definir responsabilidades jurídicas e para a programação e
implementação de políticas públicas, não é (e não pode ser) tomada de forma
universal, descontextualizada e a-histórica” (MEDRADO, 2011, p.25).
O problema de se considerarem etapas fixas e estabelecer
comportamentos padrões para essas etapas pode ser visto também no filme “Adam”,
já comentado aqui no blog, que apresenta a estória de um homem com síndrome de
Asperger. No filme, Adam, apesar de ser um adulto, não é capaz de lidar com
situações consideradas “normais” para a etapa de desenvolvimento em que se
encontra, como morar sozinho e arrumar um emprego.
Se torna necessária uma maior atenção para o contexto e
as características e peculiaridades individuais ao se considerar as diferentes
etapas do desenvolvimento, especialmente na fixação de idades específicas para
delimitar tais etapas. No caso das pessoas com autismo, tais observações se
tornam especialmente importantes, visto que o transtorno afeta diferentes
aspectos do desenvolvimento e não se apresenta de forma única em todos os
indivíduos afetados.
Mas atenção! Considerar tais peculiaridades
não significa subestimar as capacidades de indivíduos com autismo! Pessoas com
esse transtorno têm grandes possibilidades de desenvolverem diversas
habilidades desde que sejam estimuladas para tal. Um bom exemplo disso é Carly Fleischmann, uma menina com autismo não-verbal que,
embora tenha sida considerada pelos médicos como uma criança que jamais
ultrapassaria as habilidades de uma criança pequena, surpreendeu a todos quando
utilizou um computador para avisar aos pais que estava com dor e em seguida
escreveu um livro junto ao pai para contar sua história.
Em resumo, é necessário considerar
as peculiaridades de cada indivíduo (não só aqueles que possuem autismo),
considerando o contexto e as características individuais que afetam seu desenvolvimento
e não considerar apenas as etapas fixadas como padrão. Não esquecendo, contudo,
que todos os indivíduos, mesmo aqueles que apresentam transtornos sérios do
desenvolvimento, podem se desenvolver de forma satisfatória desde que recebam
os estímulos necessários.
Referências:
MEDRADO, B. Adolescência, juventude,
pré-adolescência, adultescência... Entre modelos culturais ideais e a ruptura
com os padrões etários que (de)limitam lugares. In: LYRA, J.; SOBRINHO, A.;
RIBEIRO, C.; CAMPOS, T.; LUZ, L.; MEDRADO, B. (Orgs.). Adolescência
em movimento: traços, tramas e riscos. Recife: Instituto PAPAI/MAB/Canto
Jovem, 2011, p. 23–40.
OLIVEIRA, M. K.; TEIXEIRA, E. A questão da periodização do desenvolvimento psicológico. In: OLIVEIRA, M. K.; SOUZA, D. T. R.; REGO, T. C. (Org). Psicologia, Educação e as temáticas da vida contemporânea. 1 ed., São Paulo: Editora Moderna, 2002, p. 23-46.
OLIVEIRA, M. K.; TEIXEIRA, E. A questão da periodização do desenvolvimento psicológico. In: OLIVEIRA, M. K.; SOUZA, D. T. R.; REGO, T. C. (Org). Psicologia, Educação e as temáticas da vida contemporânea. 1 ed., São Paulo: Editora Moderna, 2002, p. 23-46.
Achei ótimo que conseguissem realizar esta crítica e acredito que nossas conversas contribuíram pra isso. A periodicização por si só não é um problema, mas nos pautarmos exclusivamente nela, e darmos a ela uma consideração determinística, de imutabilidade, de naturalidade, sim! Abs
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