31 de janeiro de 2014

Causas do autismo

Quando uma pessoa é diagnosticada com qualquer problema de saúde, é natural que se busque compreender os motivos que a levaram a desenvolver tal problema. Com o autismo não seria diferente. Muitos pais, ao saberem do diagnóstico do seu filho ou filha, se veem rodeados de dúvidas e, dentre elas, a busca por explicações que justifiquem o desencadeamento do autismo desponta como uma das principais.
Ainda hoje não se sabe claramente quais são as causas do autismo. De um modo geral, há pelo menos duas vias interpretativas que atribuem um maior valor as alterações biológicas/genéticas ou a fatores ambientais como principais causas do desenvolvimento do transtorno.

Fatores Ambientais:
Felizmente, as concepções antigas dos motivos que levariam diversas crianças a apresentar o transtorno foram superadas com o passar dos anos, como a ideia errônea de que o autismo se dava devido à falta de carinho e atenção por parte das mães (as “mães geladeiras”, como dito no post de Temple Grandin).  Esta concepção surgiu a partir dos estudos de alguns psicanalistas, que tendo, por exemplo, como base a teoria da relação entre mãe-bebê de Winnicott, tendem a associar o surgimento do autismo a fatores relacionados a falhas nesta relação (Ribeiro, 2013).
Hoje, sabe-se que o ambiente e o meio social podem sim ter influências no desenvolvimento do transtorno, pois a falta de estimulação ambiental pode acarretar no aparecimento de alguns dos sintomas. Contudo, esses fatores ambientais continuam sendo uma incógnita. O Manual para as Famílias, que pode ser visualizado aqui, indica alguns desses fatores que podem estar relacionados ao desenvolvimento do autismo, como exposição pré-natal a agentes infecciosos (como a rubéola) e agentes químicos (como substâncias abortivas e bebidas alcoólicas).

Fatores Biológicos/Genéticos
Apenas o ambiente, no entanto, não define se a criança pode evoluir ou não para um quadro autista. Por isso, diversos estudos vêm tentando demostrar as possíveis causas orgânicas do autismo. Alguns desses achados serão explanados a seguir, baseados no artigo de Gadia, Tuchman e Rotta (2004):
  • Neuroquímica: Por meio desses estudos, é possível observar que autistas possuem níveis do serotonina mais elevados nas plaquetas quando comparados a outras pessoas;
  • Genética: A genética tem influência no aparecimento do autismo, pois o risco de recorrência de uma família que possui um membro autista é de 3 a 8% comparadas às outras famílias;
  • Neuropatologia: Observaram-se alterações neuropatológicas nos autistas quanto aos circuitos cerebelares e um atraso maturacional no sistema límbico;
  • Eletrofisiologia: Os Eletroencefalogramas de crianças autistas também se mostraram anormais e há uma grande propensão (82% das crianças estudadas) a convulsões e epilepsia;
  • Neuroimagem: Com base nos estudos de neuroimagem, foi observado que até os 4 anos de idade, o volume cerebral de autistas é em média maior do que crianças sem autismo de mesma idade. Esse desenvolvimento anormal se dá nos primeiros anos, mas é seguido de uma desaceleração ou até uma parada no desenvolvimento de algumas áreas do cérebro.

Lameira, Gawryszewski e Pereira Jr (2006) apontam ainda falhas no sistema de neurônios espelho que é responsável, de uma forma geral, por diversas habilidades humanas como a imitação, a capacidade de compreender as intenções de outras pessoas e pelo aprendizado de novas aptidões.  Devido a essas falhas nesse grupo especifico de neurônios, crianças com autismo desenvolvem sérios problemas relacionados à socialização e ao aprendizado.
Assim, parece não existir um único fator que seja responsável pelo surgimento do autismo. É mais coerente pensar no autismo como um transtorno complexo de origem multifatorial, causado pela interação entre diversos fatores de ordem anatômica, neuronal, neuroquímica, eletrofisiológica, genética e ambiental.

O autismo como tema toca nas mais profundas questões de ontologia, pois envolve um desvio radical no desenvolvimento do cérebro e da mente. Nossa compreensão está avançando, mas de uma maneira provocadoramente vagarosa. O entendimento final do autismo pode exigir tanto avanços técnicos como conceituais para além de tudo com o que hoje podemos sonhar (Sacks, 1995, p.167).

Referências:
AUTISMO E REALIDADE. Manual para as famílias: versão 2.0, 2010. Disponível em: <http://www.portalinclusivo.ce.gov.br/phocadownload/publicacoesdeficiente/manualparaasfamiliasautismo.pdf>. Acessado em: Fevereiro de 2014.

FUENTES, D; et al. Neuropsicologia: Teoria e Prática. Porto alegre: Artmed, 2008.

GADIA, C. A.; TUCHMAN, R.; ROTTA, N. T. Autismo e doenças invasivas de desenvolvimento. Jornal de Pediatria, v.80, n.2, p.83-94, 2004. 

LAMEIRA, A. P.; GAWRYSZEWSKI, L. G.; PEREIRA JR., A. P. Neurônios Espelho. Psicologia USP, 2006, p.123-133.

RIBEIRO, T. C. B. Um olhar sobre o autismo. Revista entrelinhas, v.1, n.1, 2013.

SACKS, O. Um antropólogo em marte. São Paulo: Cia das Letras, 1995.

28 de janeiro de 2014

Autismo e educação inclusiva

Uma publicação recente do jornal online “O tempo”  de Belo Horizonte trouxe a tona denúncias acerca da não aceitação de crianças autistas em escola particulares. Segundo a reportagem, só no mês da publicação (dezembro de 2013), houve dez denúncias à Associação dos Amigos do Autista de Minas Gerais (AMA) contra escolas particulares que se recusaram a receber crianças com autismo, a maioria com a desculpa de que não se encontrava preparada para lidar com as necessidades dessas crianças.
O fato é que não só as crianças com autismo, mas também aquelas com qualquer tipo de deficiência são vítimas do preconceito, principalmente no ambiente escolar. “A exclusão deste grupo social – as pessoas com deficiência – tem início desde a infância. Ainda hoje muitas crianças não frequentam escolas regulares e muitas daquelas que estão matriculadas enfrentam diversas barreiras diárias” (MATTOS & NUERNBERG, 2011, p.131). Vale lembrar que isso não só ocorre em escolas particulares, mas nas públicas também.
Diante disso, tornam-se necessárias medidas que garantam os direitos das crianças com deficiências e transtornos que afetem seu desenvolvimento e/ou aprendizagem de frequentarem a escola, como fiscalização do cumprimento das leis que já existem ou com a criação novas leis que protejam essas crianças da exclusão. Segundo Mattos e Nuernberg (2009) o processo de inclusão visa alcançar “uma ampliação nas possibilidades de participação das pessoas com deficiência ao convívio social, sem segregá-las em instituições especiais, mas contribuindo para legitimá-las como cidadãos” (p.139).
Para crianças com autismo, a educação inclusiva pode trazer inúmeros benefícios tanto para a aquisição da linguagem como para a melhora das dificuldades interação social. Referindo-se a esse último aspecto, Camargo e Bosa (2009) afirmam:

Proporcionar às crianças com autismo oportunidades de conviver com outras da mesma faixa etária possibilita o estímulo às suas capacidades interativas, impedindo o isolamento contínuo. Além disso, subjacente ao conceito de competência social está a noção de que as habilidades sociais são passíveis de serem adquiridas pelas trocas que acontecem no processo de aprendizagem social (p. 68).

      Além disso, a educação inclusiva pode propiciar a crianças com autismo não-verbal a possibilidade de aprender uma forma alternativa de comunicação, como defende Mattos e Nuernberg (2011): “As práticas inclusivas podem promover o desenvolvimento de linguagens alternativas em crianças com características diversas, sugerindo várias maneiras em que os pares possam interagir” (p.133).
É importante destacar que as necessidades dos portadores de autismo diferem de indivíduo para indivíduo. O plano de atendimento a crianças com autismo deve ser estruturado de acordo com as particularidades do desenvolvimento de cada uma. Por exemplo, em crianças pequenas as prioridades devem ser a fala, a interação social/linguagem e a educação, entre outros, que podem ser considerados ferramentas importantes para promoção da inclusão da criança com autismo” (FARIAS, MARANHÃO & CUNHA, 2008).
Tendo em vista tudo o que foi apresentado, pode-se concluir que a educação inclusiva traz inúmeros benefícios para crianças portadoras de autismo, sendo importante no desenvolvimento de suas habilidades sociais e comunicativas. No entanto, ainda é preciso garantir que o direito dessas crianças à educação seja cumprido.
É lutando por esse direito que algumas pessoas e instituições começaram a fazer a diferença na educação de crianças e jovens com autismo. É o caso da pedagoga Regina Angeiras que após enfrentar dificuldades em encontrar uma escola para o seu neto portador do autismo, decidiu criar uma escola que atendesse a toda e qualquer criança.
A escola fundada por Regina chama-se Divertivendo, fica na zona sul do Rio de Janeiro e atende crianças com e sem dificuldades ou transtornos. As turmas são reduzidas (em média, oito crianças por turma) para que o professor possa dar a atenção necessária para cada aluno. A escola conta com turmas da educação infantil e Ensino Fundamental I. Entre as crianças atendidas, várias possuem autismo.

Para mais informações:

            
Não é apenas em instituições especializadas que se pode fazer a diferença. Professores de qualquer escola podem ajudar crianças e adolescentes com autismo se começarem a entender suas necessidades. Um exemplo disso pode ser visto no vídeo abaixo que conta a história de Matheus, um menino de 14 anos que estuda em uma turma regular de uma escola pública de São Paulo:



Além disso, é importante destacar que essas medidas de inclusão não devem ser adotadas apenas para a educação infantil, a educação deve ser inclusiva em todas as etapas de ensino, incluindo o ensino médio e o universitário. Apesar de reconhecermos e acreditarmos na importância dessas medidas nas demais etapas da educação, as pesquisas realizadas para a construção desse blog não encontraram maiores informações sobre as especificidades da educação inclusiva para indivíduos portadores de autismo no ensino médio e superior.

Referências:
CAMARGO, S. P. H.; BOSA, C. A. Competência social, inclusão escolar e autismo: revisão crítica da literatura. Psicologia & Sociedade, v. 21, n. 1, p. 65-74, 2009

FARIAS, I. M.; MARANHÃO, R. V. de A.; CUNHA, A. C. B. de. Interação professor-aluno com autismo no contexto da educação inclusiva: análise do padrão de mediação do professor com base na teoria da Experiência de Aprendizagem Mediada (Mediated Learning Experience Theory). Revista Brasileira de Educação Especial, v.14 n.3, Set./Dec. 2008. 

MATTOS, L. K., NUERNBERG, A. H. Reflexões sobre a inclusão escolar de uma criança com diagnóstico de autismo na educação infantil. Revista Educação Especial, Santa Maria, v. 24, n. 39, p. 129-142, jan./abr. 2011.


25 de janeiro de 2014

Um debate sobre Linda – Personagem da novela Amor à Vida

A novela Amor à Vida está se aproximando do fim, mas ainda tem gerado muita polêmica nas redes sociais, salas de aula e nas casas dos telespectadores. A dramaturgia escrita por Walcyr Carrasco está no ar desde o dia 20 de maio de 2013 e terá seu último capítulo exibido no dia 31 deste mês. Mesmo diante de vários temas polêmicos abordados por ela (gordofobia, homofobia, violência contra a mulher, AIDS e etc.), um em especial nos chamou atenção: Linda, uma adolescente portadora de autismo que, depois de conhecer o advogado Rafael, mudou radicalmente, chegando a desenvolver comportamentos até então nunca observados na personagem.
Antes de nos aprofundarmos na discussão, é importante expor alguns acontecimentos que ocorreram antes da Linda se “relacionar” com Rafael. Depois de pesquisar os primeiros capítulos da novela no site da emissora Globo, observamos que:

1. No primeiro episódio em que Linda aparece, ela apresenta características que englobam os três conjuntos de sintomas dos Transtornos do Espectro Autista (TEA) de acordo com o DSM IV. Na cena, ela está se balançando e movimentando o controle da televisão repetitivamente; não fixa o olhar na direção das outras pessoas; não gosta de atos que envolvam toques e possui uma comunicação verbal limitada a ecolalias.

Fonte: http://gshow.globo.com/novelas/amor-a-vida/capitulo/2013/5/27/

2. No decorrer dos capítulos aparecem cenas 
que mostram a hipersensibilidade da personagem  diante da diversidade de estímulos presentes no ambiente. Esse fato lembra o vídeo de Carly.

3. Outro capítulo mostra Linda urinando na cama da irmã.

Esses e outros fatos nos levam a acreditar que o autismo da Linda é severo, mas se assim o é, é possível uma mudança tão rápida devido ao aparecimento de uma pessoa na vida da personagem? Diante de tantos questionamentos nós procuramos na internet, blogs e reportagens sobre o assunto e achamos várias opiniões distintas de mães e pais de pessoas que possuem autismo, psicólogos de diversas abordagens e dos telespectadores da novela.  Mesmo com um elevado número de opiniões, percebemos algumas que estavam sempre presentes:

·         “Linda não tem autismo”;
·         “Há uma mistura de diferentes graus do autismo na mesma pessoa”;
·         “Linda é capaz de amar como qualquer outra pessoa”;
·     “Ao mesmo tempo em que a novela representa uma visão distorcida do TEA, abre espaço para o debate sobre o tema”.

Acredito que o que está em jogo nesta discussão não é o fato de uma pessoa portadora de autismo poder ou não namorar, pois dependendo do grau isto é possível sim, como é possível também trabalhar, cozinhar e realizar diversas outras atividades presentes no cotidiano - como pode ser visto na série de reportagens feita pelo programa Fantástico sobre o autismo. Mas o caso da Linda é diferente, desde o começo da novela fica claro que o autismo dela é severo, fica claro a falta de estimulação por parte da família, e o comportamento rígido dela só evidencia mais a quebra do seu desenvolvimento.


No decorrer das postagens deste blog mostramos a importância de certos cuidados e preparos que é preciso ter quando se tem uma pessoa autista em casa. O ambiente precisa ser preparado, a família precisa entender sobre o transtorno, a pessoa com autismo tem que ter um acompanhamento constante com uma equipe multidisciplinar. Linda não teve nada disso, a irmã dela no começo da novela a chamava de ‘bicho’, o apoio psicológico só foi procurado depois de algumas semanas da novela, durante a trama não houve nenhuma menção à terapia na infância ou no começo da adolescência, e não foi abordado na novela com quantos anos o diagnóstico da Linda foi dado. Bandim (2011) diz que:

Quanto mais precoce for o diagnóstico, mas chance tem a criança de responder aos diversos tipos de intervenções, já que quanto mais nova a criança, maior o que chamamos de plasticidade cerebral ou neuroplasticidade, definida como habilidade no curso da vida, do cérebro em reorganizar vias nervosas baseadas em novas experiências, modificando sua organização estrutural própria e seu funcionamento (ou seja, melhor possibilidade de resposta aos estímulos oriundos do tratamento e do ambiente); quanto mais tempo perdemos em proceder o diagnóstico e consequentemente, o tratamento, mas a criança vai consolidando formas de comportamentos rígidas e mais resistentes às intervenções (p.47).

Ou seja, é visivelmente errônea a maneira com que a novela retrata o transtorno, chegado até a dar uma ideia de cura. Quando começa a interagir com Rafael, Linda passa a formular frases quase instantaneamente, aprende a cozinhar, a sentir saudades, a querer abraçar e etc. Como já foi abordado, isso são ganhos que ocorrem com anos de acompanhamento com fonoaudiólogos, psicólogos, fisioterapeutas, psiquiatras e outras especialidades; principalmente nos casos severos do transtorno, em que muitas vezes o portador possui a linguagem verbal bastante comprometida.
A novela também passa a ideia errada sobre a hipersensibilidade dos autistas. Uma cena mostra Rafael ensinando Linda a cozinhar, quando ele liga o liquidificador ela começa a gritar tampando os ouvidos e ele responde: Não precisa ter medo, Linda. É só um liquidificador. É um aparelho. Não vai te pegar". Instantaneamente Linda se mostra bastante tolerante ao barulho do liquidificador e termina de fazer o macarrão com Rafael. É importante deixar claro que não é medo, mas sim hipersensibilidade aos estímulos externos que os autistas possuem, ou seja, a luz é mais intensa, o som é mais alto, o toque é mais forte. No próprio site da emissora Globo a notícia aborda o sintoma associado ao medo:

Fonte: http://gshow.globo.com/novelas/amor-a-vida/Vem-por-ai/noticia/2013/12/milagre-linda-cozinha-com-rafael-e-ate-ganha-elogio-de-leila-esta-bom-mesmo.html

Em uma entrevista para o blog Feminismo sem Demagogia, Raquel Ribeiro Bittencourt, mãe de um autista de 28 anos, diz:

A atriz que vive a Linda na novela, Bruna Linsmayer, fez a composição do personagem na nossa associação (Associação caminhos para Vida-ACV- em Florianópolis). O autor construiu um personagem absolutamente fictício. Autistas não são assim, embora exista uma modulação da manifestação do autismo de uma pessoa para outra que compromete mais ou menos a sua capacidade de interagir. Os autistas tem muita dificuldade de estabelecer uma conversação fluente, lógica, coerente com o contexto em que ocorre. Na maioria das vezes, a fala é desconectada, pois a sua percepção da realidade é muito diferente. Vejo que o rapaz que se apaixona por ela, está encantado com a sua beleza apenas. Autista como retratado na novela, só em novela.

Entrevista completa:


Na última semana, Linda e Rafael se beijaram e a sua mãe, que sempre foi superprotetora, o denunciou por abuso de incapaz. Desde a prisão do rapaz, Linda regrediu, voltando a ser como no começo da novela, ou seja, voltou a ter as características do autismo severo (de uma hora para a outra). Com medo de que sua filha volte a “estar presa dentro de si” Neide, mãe de Linda, pede desculpas a Rafael e pede para que ele volte a ver Linda, ele volta e advinha? Linda, na mesma hora, fala, toca, chora, diz que ele é importante e termina a cena fazendo um discurso que dizia mais ou menos assim:

“Socorro! A vida toda presa dentro do meu corpo, barulho dói, as luzes doem, eu o tempo toda presa dentro de mim. Tem uma parede de vidro entre eu e vocês, eu ouvia vocês, mas as vozes não entravam dentro de mim, o sentido das coisas não entravam, eu presa dentro de mim! Mas ai chegou o Rafael e o Rafael quebrou a parede; o Rafael deu tempo para a Linda, deu tempo para a Linda existir, estendeu a mão lá no fundo e me trouxe para cá, me trouxe para fora. As vezes e não controlo meu corpo, as palavras, as vozes, não consigo controlar. Eu não sou a pessoa mais fácil do mundo, mãe, pai a Linda sabe que não é fácil. Mãe eu só existo com cuidado, não deixa o Rafael ir embora, eu não quero ficar presa dentro de mim!”



Pois é, a Linda passou de um grau severo do espectro autista para uma quase cura. No discurso, a personagem mostra um grande entendimento sobre seu problema, usa várias metáforas, algo raro até no Asperger (grau leve do espectro), sabe falar claramente sobre os seus sentimentos e mantém um diálogo coerente o tempo todo. Esses fatos não condizem com a realidade!
Mesmo sabendo que a novela é ficção, ela diz relatar a vida real e é usada como dispositivo de informações para muitas pessoas. Logo, torna-se um instrumento perigoso para quem não conhece o autismo, ao propagar ideias distorcidas, encobrindo a gravidade do que realmente é o transtorno. É preciso  deixar claro que o autismo é um transtorno complexo que precisa ser analisado com mais cuidado, e que a evolução de cada caso, deverá ser compreendida e trabalhada ao longo do tempo da história individual de cada sujeito que o possui. 


Referências:
BANDIM, J. M. Autismo: Uma abordagem prática. Recife: Bagaço, 2011.

GADIA, C. A.; TUCHMAN, R.; ROTTA, N. T. Autismo e doenças invasivas de desenvolvimento. Jornal de Pediatria, v.80, n.2, p.83-94, 2004. 

Outras reportagens:


21 de janeiro de 2014

Autismo e Periodização do Desenvolvimento


O processo de desenvolvimento é comumente visto como uma sucessão de etapas, na maior parte das vezes delimitadas por idades cronológicas determinadas. Mas como é possível fixar uma cronologia se a cultura, a época e a história de vida de cada um interferem nas experiências e influenciam o desenvolvimento? Como é possível ainda empregar a mesma cronologia para indivíduos com transtornos que interferem no desenvolvimento, como o autismo?
O livro “Um Mundo à Parte” de Jodi Picoult apresenta a história de Jacob Hunt, um adolescente de 18 anos diagnosticado com síndrome de Asperger que apresenta dificuldades para interpretar pistas sociais, se expressar diante dos outros e tem fixação por um único tema: análise forense. Quando a orientadora dele, Jess, é assassinada, Jacob se torna o principal suspeito e não há dúvidas de seu envolvimento pelo menos no encobrimento do crime.  Apesar de se tratar de uma ficção e de nem todas as informações presentes na obra sejam precisas, o livro põe em discussão o fato de que mesmo tendo idade suficiente para responder pelos seus atos, Jacob não apresenta algumas características, como o entendimento abstrato das leis e da moral implícita, que normalmente estão presentes na etapa de desenvolvimento em que ele se encontra.

Um mundo à parte capa Jodi
Fonte: http://o-livreiro.com/confira-a-capa-de-um-mundo-a-parte-novo-livro-de-jodi-picoult/

O problema de considerar o desenvolvimento como uma sucessão de etapas universais reside na ideia de que essa perspectiva não leva em consideração as particularidades de cada indivíduo. “Sem levar em conta aspectos da história cultural e individual dos sujeitos, essa perspectiva não contempla a multiplicidade de possibilidades de desenvolvimento humano, nem tampouco a própria essência do desenvolvimento, que é a transformação” (OLIVEIRA & TEIXEIRA, 2002, p.26).
No caso apresentado no livro, o problema está no fato de que, legalmente, Jacob já pode ser considerado adulto, no entanto, ele não se comporta ou se vê como tal. “A idade, embora seja uma variável útil e necessária para definir responsabilidades jurídicas e para a programação e implementação de políticas públicas, não é (e não pode ser) tomada de forma universal, descontextualizada e a-histórica” (MEDRADO, 2011, p.25).
O problema de se considerarem etapas fixas e estabelecer comportamentos padrões para essas etapas pode ser visto também no filme “Adam”, já comentado aqui no blog, que apresenta a estória de um homem com síndrome de Asperger. No filme, Adam, apesar de ser um adulto, não é capaz de lidar com situações consideradas “normais” para a etapa de desenvolvimento em que se encontra, como morar sozinho e arrumar um emprego.
Se torna necessária uma maior atenção para o contexto e as características e peculiaridades individuais ao se considerar as diferentes etapas do desenvolvimento, especialmente na fixação de idades específicas para delimitar tais etapas. No caso das pessoas com autismo, tais observações se tornam especialmente importantes, visto que o transtorno afeta diferentes aspectos do desenvolvimento e não se apresenta de forma única em todos os indivíduos afetados.
Mas atenção! Considerar tais peculiaridades não significa subestimar as capacidades de indivíduos com autismo! Pessoas com esse transtorno têm grandes possibilidades de desenvolverem diversas habilidades desde que sejam estimuladas para tal. Um bom exemplo disso é Carly Fleischmann, uma menina com autismo não-verbal que, embora tenha sida considerada pelos médicos como uma criança que jamais ultrapassaria as habilidades de uma criança pequena, surpreendeu a todos quando utilizou um computador para avisar aos pais que estava com dor e em seguida escreveu um livro junto ao pai para contar sua história.
Em resumo, é necessário considerar as peculiaridades de cada indivíduo (não só aqueles que possuem autismo), considerando o contexto e as características individuais que afetam seu desenvolvimento e não considerar apenas as etapas fixadas como padrão. Não esquecendo, contudo, que todos os indivíduos, mesmo aqueles que apresentam transtornos sérios do desenvolvimento, podem se desenvolver de forma satisfatória desde que recebam os estímulos necessários.

      

Referências:
MEDRADO, B. Adolescência, juventude, pré-adolescência, adultescência... Entre modelos culturais ideais e a ruptura com os padrões etários que (de)limitam lugares. In: LYRA, J.; SOBRINHO, A.; RIBEIRO, C.; CAMPOS, T.; LUZ, L.; MEDRADO, B. (Orgs.).  Adolescência em movimento: traços, tramas e riscos. Recife: Instituto PAPAI/MAB/Canto Jovem, 2011, p. 23–40.

OLIVEIRA, M. K.; TEIXEIRA, E. A questão da periodização do desenvolvimento psicológico. In: OLIVEIRA, M. K.; SOUZA, D. T. R.; REGO, T. C. (Org). Psicologia, Educação e as temáticas da vida contemporânea. 1 ed., São Paulo: Editora Moderna, 2002, p. 23-46.

7 de janeiro de 2014

Autismo e Atividade Física

                A atividade física está presente no dia a dia de todos. Desde as práticas mais organizadas, passando pela ludicidade ou estética, até movimentos ordinários e comuns do dia a dia como os de agachar e se mover.
                As atividades esportivas ajudam no desenvolvimento global em todas as etapas da vida, pois trabalha com aspectos psicológicos, processos cognitivos, coordenação motora, além de ter influencia a níveis fisiológicos. Assim, do mesmo modo como nos preocupamos com o desenvolvimento da criança prezando por este tipo de estímulo, com pessoas com autismo na poderia ser diferente. Segundo o Conselho Federal de EducaçãoFísica “A prática esportiva e as atividades motoras se apresentam como forma de estimular o desenvolvimento e a socialização de crianças e adolescentes autistas.”
                 Iniciativas, estudos e projetos têm se desenvolvido para corresponder ás demandas desse público específico. É o caso do Professor de Educação Física Rodrigo Brivio que iniciou seus trabalhos com Ginástica Artística em uma academia do Rio de Janeiro, sem ter planos voltados para trabalhar com autistas, até que chegou uma mãe de um menino que apresenta o transtorno e Rodrigo começou uma série de atividades que acarretaram em   melhoras no campo da fala, da coordenação e afetividade do garoto. Assim, o trabalho de Rodrigo foi sendo divulgado e hoje ele é referência no trabalho de atividade física com autistas no Rio de Janeiro.

Um pai de um aluno do Professor Rodrigo Brivio conta: “Os autistas são muito resistentes ao toque. E o Rodrigo, com essa brincadeira, essa interação, consegue se aproximar e quebrar essa barreira”. Mais informações sobre o trabalho do Professor Rodrigo e relatos de familiares dos alunos podem ser vistos no vídeo abaixo:


                Outro desbravador desta prática é o, também Professor de Educação Física, Jorge Lis Ferrari Cardozo, o Joca de Porto Alegre. Ele desenvolve atividades com crianças autistas de maneira individualizada e em grupo. Trabalha de forma lúdica com atividades voltadas para o desenvolvimento da autonomia e obediência a comandos. As consequências dessas atividade são constadas pela mãe de Otávio, um dos primeiros alunos de Joca, no link : 


                Em Agosto de 2013, foi notícia numa afiliada da Rede Globo o trabalho realizado pela Associação de Amigos Autistas do Piauí. A AMA, ciente da necessidade multidisciplinar no tratamento do autismo, visa incrementar a rotina nos atendimentos por profissionais de educação física buscando desenvolver habilidades psicomotoras e interação social. Os benefícios são citados por todos. A reportagem completa pode ser vista no link: 


                A Professora Flávia Ferreira encabeça um projeto da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Juiz de Fora onde se oferecem atividades físicas sistemáticas para crianças autistas de 3 a 9 anos. O projeto recebe a criança e realiza uma avaliação e entrevista que será o guia das atividades propostas. Os trabalhos voltados para necessidade de cada criança são o destaque do projeto em Juiz de Fora. O vídeo abaixo apresenta mais informações sobre o projeto.


Apesar das limitações decorrentes desse transtorno do desenvolvimento, todas as crianças possuem potencialidades que precisam ser exploradas. Quanto mais cedo for realizado o diagnóstico, maiores são as chances de que os tratamentos favoreçam o desenvolvimento dessas potencialidades.

Mais informações do Professor Rodrigo Brívio: https://www.facebook.com/rodrigo.brivio

Mais informações AMA Piauí: http://amigosautistas.blogspot.com.br/

Mais informações sobre o projeto da UFJF: http://www.youtube.com/watch?v=zwqRIOBTAxE